A única coisa que me ajuda a estar no momento

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Aug 25, 2023

A única coisa que me ajuda a estar no momento

Anúncio apoiado por carta de recomendação Um escritor teve dificuldade para estar presente. Esse tambor brasileiro a ajudou a prestar atenção. Por Carolina Abbott Galvão No início deste ano, “Me

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Um escritor lutou para estar presente. Esse tambor brasileiro a ajudou a prestar atenção.

Por Carolina Abbott Galvão

No início deste ano, “Me and Julio Down by the Schoolyard” de Paul Simon tocou em uma festa em que eu estava. Não reconheci a música a princípio; a sala estava lotada, e entender o dedilhar de Simon em meio a vários fluxos de conversas e conversas revelou-se difícil. Mas então ouvi: um ruído agudo, cortando os acordes maiores da faixa em intervalos irregulares, como uma tesoura cega. Quando perguntei à minha amiga o que ela achava que era o som, ela fez uma pausa e adivinhou que poderia ser um pato. Outro amigo comparou isso ao canto gutural. Eles não esperavam que o barulho estranho viesse de uma espécie de tambor — a cuíca.

A cuíca é um instrumento estranho. Pode zumbir, zumbir, chiar e grasnar; pode gemer ou ranger; às vezes até parece que está chorando. Se formos mais específicos, cuícas são tambores de fricção brasileiros, e embora a palavra “fricção” se refira ao método usado para tocar o instrumento (os músicos enfiam a mão dentro do tambor para manipular uma vara de madeira enquanto o ponteiro dos segundos aplica pressão no outro lado ), a palavra também descreve o efeito abrasivo que pode ter nos ouvintes. Perfurando as canções como se não concordasse com a forma como deveriam soar, a cuíca é um instrumento fundamental na bateria, a ala de percussão dos conjuntos de samba do Rio de Janeiro durante o Carnaval.

Não me lembro da primeira vez que ouvi isso. Talvez tenha sido na sala da minha avó, em Brasília, no final da noite de Natal, quando, depois de alguns drinks, minha tia Patrícia colocava “Apesar de Você”, do Chico Buarque. Ou talvez eu tenha ouvido quando ainda era bebê, quando minha mãe tocava uma de suas músicas favoritas, “Carolina Carol Bela”, de Jorge Ben Jor e Toquinho. O momento específico pouco importa. O papel central da cuíca na maior parte da música brasileira – do samba à Tropicália – significa que ela me envolveu durante toda a minha vida. Embora eu nunca saiba onde ouvi a bateria pela primeira vez, continuo voltando àquele som, procurando-o.

Saí do Brasil quando tinha 1 ano e passei a maior parte da minha vida fora do país. Embora agora more em Londres, ainda sou sensível a sons e cheiros que me lembram minha cidade natal. Mas eu estaria mentindo se dissesse que gosto de ouvir cuíca por esse motivo. Quando ouço a cuíca, não me leva de volta ao Brasil; isso me leva para outro lugar completamente.

Tenho dificuldade em estar presente e muitas vezes gravito em torno de coisas que exigem minha atenção em rajadas rápidas: fontes, comida picante, cor laranja, Leos. Cuícas se enquadram nessa categoria. Eles me engolem inteiro em um momento, apenas para me tossir de volta no próximo. Ouvir o som parece o equivalente auditivo de passar por cima de um buraco. Por um ou dois segundos, pulo na cadeira. Meu estômago se aperta. Perco a noção do espaço e do tempo. Então, depois de alguns passos, estou de volta ao mundo real, só que agora tudo ao meu redor parece mais claro e mais alto – e mais vazio também. Às vezes sinto como se tivesse perdido alguma coisa no processo. Mas quando procuro o que isso pode ser, nunca consigo descobrir o que estou procurando.

De certa forma, a capacidade da cuíca de transportar os ouvintes faz parte do seu apelo. Quando Paul Simon estava gravando “Me and Julio” com o percussionista de jazz brasileiro Airto Moreira, ele disse que queria algo que soasse “como uma voz humana” na mixagem – um ruído que surpreendesse e emocionasse as pessoas, dando vida aos personagens da música. . Depois que Moreira tocou a cuíca para ele, Simon soube que havia encontrado o que precisava. Ele também não foi o único que gostou do som: em 1972, a música ficou nas paradas dos EUA por nove semanas consecutivas.

É uma sensação estranha, mas agradável, que muitas vezes me faz pensar nos diferentes processos que movem os sons através do espaço e os instrumentos através dos continentes. Dor e alegria se misturam na história da cuíca. Alguns historiadores acreditam que, como muitos instrumentos de percussão da região, os africanos escravizados o trouxeram para as Américas; enraizou-se no Brasil em forma de samba. Acredita-se que as pessoas originalmente usavam o tambor para caçar leões, na esperança de que os animais confundissem o barulho com outro ser vivo. Afinal, não são muitos os instrumentos que soam como choro ou riso, pato ou canto.